13 janeiro 2008

Função e Valor da Arte para Aristóteles e Platão

Para Platão, ao contrário do que poderia parecer, a arte tem um papel fundamental sobre a determinação da realidade. Não fosse a importância desse papel, ou sua indubitabilidade, não haveria para ele a necessidade de questionar-se o seu valor. Função e valor são portanto dois aspectos da arte para Platão, que são no entanto apresentados em sua argumentação como aspectos (se é que se pode dizer "aspectos") indissociaveis da realidade da arte. É justamente ai que entra a contribuição de Aristóteles, que separa da função própria da arte a necessidade de considerar o seu valor, entendido como uma instância ou aspecto que seria, para Platão, determinado segundo critérios transcendentes, e que é considerado, já dentro da ontologia aristotélica, como um acidente, por oposição ao estatuto de substância que a função da arte teria.
Com essas referências se pode pensar sobre a natureza da arte em geral, e sobre o cinema, em particular. Filmes blockbusters tem, como todo tipo de arte, um efeito sobre a realidade. Mas o público que só assiste a esse tipo de filme e rejeita filmes considerados "de arte" ou "autorais" no fundo não faz mais do que seguir um paradigma platônico, em detrimento do paradigma aristotélico. Explico melhor: segundo o que foi dito no parágrafo acima, o paradigma platônico precisa levar em consideração, para funcionar adequadamente, um critério de valor, que é especifico e, portanto, excludente, ou seja, se se define um critério, é esse valor que é resaltado, em detrimento dos demais. Trocando em miúdos, isso significa dizer que o que vale em termos de arte e de cinema para esse público corresponde normalmente a um tipo específico de forma ou de formato que são, sub-repticiamente, eleitos como supremos e absolutos. Em geral, e por incrivel que pareça, ao contrário do que Platão talvez pudesse inclusive pensar, trata-se, no caso do cinema, do filme com um começo, um meio e um fim bem demarcados, em geral vindo, obrigatoriamente, nessa ordem. Além desse critério, existem outros que são preferenciais desse público: posso adiantar um pouco e dizer que trata-se de um critério de "classicidade", ou seja, a forma que é valorizada é aquela que deixa suficientemente claro para o espectador a distinção interna das partes no todo. Nesse contexto, fazem sentido contrastes nítidos e bem definidos entre alto e baixo, claro e escuro, gordo e magro, preto e branco, para citar apenas alguns exemplos que são caros aos estruturalistas do século XX, em particular Claude Lévi-Strauss.
Sem deixar de reconhecer a importância das variações existentes dentro dessa categoria de obras populares, o que, aliás, justifica por si só o interesse por uma História da Arte que também as inclua, é fato notório, para aqueles que já passaram pela experiência, que as obras cuja forma foge mais do esquema clássico tradicional (e por clássico me refiro nesse texto à produção da chamada "tradição clássica" como um conjunto mais ou menos coerente e unificado, por oposição à chamada modernidade, e não apenas ao estílo específico do classicismo que emergiu no século XVIII) são as que, em geral, mais perturbam e inquietam o público blockbuster. Essas obras são em geral consideradas por esse público como incompreensíveis e desagradáveis. Ao se abolir o aspecto "valor" da arte, que seria determinado por critérios que lhe seriam transcendentes, e ao se valorizar apenas o aspecto "função" da arte, por meio do qual se enfatizaria apenas o fato de que a arte se justifica a si mesma na medida em que "move" o público espectador, sem restrições quanto ao tipo de forma utilizada e ao tipo de efeito dela resultante, o espectador passa a considerar como válidos, em sua experiência estética, uma gama muito maior de obras que seriam de outra forma rejeitadas como "incômodas", muitas vezes, inclusive, sob a alegação do próprio prazer proporcionado.

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