31 dezembro 2004

UMA METODOLOGIA PARA A HISTÓRIA DA ARTE

1) UMA CERTA DIFERENÇA INTENCIONAL
- Sir Ernst H. Gombrich

“Ao contar a história da arte uma vez mais em linguagem simples, ela deve capacitar o leitor a ver até que ponto é coesa e ajudá-lo em sua apreciação, não tanto por descrições empolgadas, mas fornecendo-lhe, outrossim, algumas indicações quanto às prováveis intenções do artista. Este método deve, pelo menos, ajudar a dissipar as causas mais freqüentes de mal-entendidos, e a frustrar uma espécie de crítica que não atinge a finalidade de uma obra de arte. Além de tudo, o livro [em questão] possui um objetivo algo mais ambicioso: situar as obras que analisa em seu contexto histórico e, assim, levar a uma compreensão dos propósitos artísticos do mestre. Cada geração está, em algum ponto, em revolta contra os padrões de seus pais; cada obra de arte deriva seu atrativo para as pessoas do seu tempo não só do que faz mas também do que deixa de fazer. Quando o jovem Mozart chegou a Paris, deu-se conta – conforme escreveu seu pai – de que todas as sinfonias em grande voga, ali, terminavam com um rápido finale; assim, decidiu surpreender sua platéia com uma lenta introdução no último movimento. Esse é um exemplo trivial, mas revela o sentido em que uma apreciação histórica de arte deve caminhar. O impulso para ser diferente pode não ser o mais elevado ou o mais profundo fator no equipamento do artista, mas é raro estar totalmente ausente. E a apreciação dessa diferença intencional propicia amiúde a mais fácil abordagem da arte do passado. Tentei fazer dessa constante mudança de propósitos a chave da minha narrativa e mostrar como cada obra está relacionada, por imitação ou contradição, com o que se passou antes. Mesmo correndo o risco de ser enfadonho, reportei-me, para fins de comparação, a obras que mostram a distancia colocada pelos artistas entre si e seus precursores. Há uma armadilha nesse método de apresentação, que espero ter evitado, mas não devo deixar de assinalá-la. Refiro-me à interpretação ingênua e errônea da constante mudança na arte como um progresso contínuo. É verdade que todo artista sente ter superado a geração que o precedeu e, do seu ponto de vista, ter feito progressos em relação a tudo o que se conhecia antes. Não podemos alimentar a esperança de entender uma obra de arte sem compartilhar desse sentimento de libertação e triunfo que o artista experimenta quando avalia as próprias realizações. Mas devemos compreender que cada ganho ou avanço numa direção acarreta uma perda em outra, e que esse avanço subjetivo, apesar da sua importância, não corresponde a um incremento objetivo em valores artísticos. Tudo isso poderá soar um tanto enigmático quando enunciado em termos abstratos. Espero que o livro o esclareça.”

- ERNST H. GOMBRICH. “Prefácio à Primeira Edição” in: A História da Arte. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1999, pp. 8-9.

2) COERÊNCIA E COMPREENSIBILIDADE NA HISTÓRIA DA ARTE

- Sir Ernst H. Gombrich

“Fiz esses acréscimos [para a presente edição] na esperança de que os desenvolvimentos pareçam menos abruptos do que poderiam dar a impressão nas edições anteriores; e, se menos abruptos, mais compreensíveis. Pois esse, é claro, continua a ser o objetivo predominante deste livro. Se ele encontrou amigos entre os amantes e estudiosos da arte, o motivo só pode ter sido o de fazê-los compreender como a história da arte é coerente. Memorizar uma lista de nomes e datas é difícil e cansativo; lembrar uma história exige pouco esforço, depois que compreendemos o papel desempenhado por vários membros do elenco e como as datas apontam para a passagem do tempo entre as gerações e os episódios da narração.
Menciono mais uma vez ao longo do livro que na arte qualquer ganho sob um aspecto pode também acarretar uma perda em outro. Não tenho a menor dúvida de que isso se aplica também a esta nova edição, mas espero sinceramente que os ganhos superem de longe qualquer perda.”

- ERNST H. GOMBRICH. “Prefácio à Décima Sexta Edição” in: A História da Arte. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1999, p. 13.